Os bosques de azereiro (azereirais)
No final do Terciário (5 – 3 Ma) o clima do Sul da Europa era mais quente e húmido do que na atualidade e sem estação seca pronunciada. A floresta dominante era a Laurissilva, composta por espécies de árvores lenhosas perenifólias, com folhas grandes, largas, lustrosas e coriáceas. O arrefecimento gradual no final do Terciário, a diminuição acentuada da precipitação e as glaciações do Quaternário determinaram o declínio e quase desaparecimento desta floresta. No entanto, vestígios daqueles bosques relíquias permaneceram confinados em enclaves resguardados do frio seco e lograram sobreviver até ao presente.
O azereiro (Prunus lusitanica subsp. lusitanica) era uma das espécies de árvores presentes aos bosques da Laurissilva e, na atualidade, possui uma distribuição dispersa e circunscrita à Península Ibérica, Norte de Marrocos e Pirenéus franceses, considerada em Perigo de Extinção pelo IUCN.
O território afeto aos vales das ribeiras de Alvoco e Loriga, afluentes do rio Alva, é, sem dúvida, uma das principais áreas de refúgio desta árvore singular da flora portuguesa. Não negligenciando a icónica Mata da Margaraça no concelho de Arganil. O azereiro encontra nas freguesias de Alvoco da Serra, Teixeira e na União de Freguesias de Vide e Cabeça, no concelho de Seia, condições peculiares para a sua persistência e sobrevivência.
O entalhe pronunciado dos vales e a influência oceânica têm um efeito preponderante na modelação climatérica, permitindo a existência de níveis de humidade ambiental elevados e contrastes térmicos pouco acentuados. Nestas condições o azereiro encontra nos inúmeros barrancos, córregos e margens de cursos de água, as principais áreas de ocorrência, mostrando uma preferência clara por locais com nível freático elevado, resguardados do frio mais intenso e expostos ao quadrante N/NW.
Nesta região, os núcleos de azereiro, distribuem-se ao longo de uma amplitude altitudinal ampla para a espécie ocupando ambientes climáticos distintos. Nos vales xistentos profundos e encaixados, localizados em áreas de maior influência mediterrânica, partilha o habitat com o folhado, o amieiro, o freixo, o medronheiro, o azevinho, o loureiro e o lentisco. No passado fazia parte do elenco dos bosques mistos de carvalho-alvarinho e sobreiro desta região. Sendo talvez dominante em nichos ecológicos particulares com nível do lençol freático elevado e de carácter rupícola.
Num contexto menos comum, e revelador da plasticidade da espécie, surge associado ao carvalho-negral, ao teixo e ao vidoeiro a cerca de 1300 m de altitude, a cota mais elevada de que há registo na Península Ibérica, numa área de maior influência atlântica e substrato granítico. Este cenário recorda e justifica que no passado recente a distribuição do azereiro e dos bosques de folhosas com arbustos de folha persistente terá sido bem mais alargada.
Os azereirais são formações de carácter florestal, em muito semelhantes aos bosques do tipo Laurissilva, presentes nos territórios insulares ibéricos. Mais de metade de toda a população Ibérica está concentrada em áreas de relevo acidentado nas serras do interior centro de Portugal em particular nas serranias do Açor, Estrela, Lousã e Alvelos.
Na paisagem destas serras marcada pela presença por áreas extensas de pinhal e acacial constituem um testemunho vivo de um tipo de coberto vegetal primitivo único e reliquial e um dos últimos redutos para esta espécie.
As plantações massivas de pinheiro iniciadas nos finais do século XIX e que se estenderam até à década de 80 do século XX, o posterior avanço do eucalipto reduziu e fez recuar os bosques de folhosas para áreas ínfimas. Esta paisagem desde meados do século XX, período que coincide com o despovoamento deste território, é assolada regular e recorrentemente por incêndios de grandes proporções e cada vez mais destruidores. Neste contexto assiste-se, ainda à entrada e proliferação sem controlo à vista de espécies exóticas como a mimosa e mais recentemente da háquea-picante.
A União Europeia reconheceu a importância de preservar os Azereirais e integrou-os num habitat de Importância Comunitária, prioritário para a conservação, na Diretiva de Habitats (92/43/CEE).
Assim, o LIFE-Relict pretende inverter esta situação. Controlar e se possível erradicar as espécies exóticas e invasoras, reduzir a densa carga arbustiva de giestas e urzes e gerir o pinhal de forma sustentável. Em suma controlar as ameaças, devolver os bosques nativos a este território através do restauro ambiental com árvores autóctones como os carvalhos, as cerejeiras, o sobreiro e arbustos como o folhado, o medronheiro e o aderno. Recriar e naturalizar a paisagem que em tempos distantes cobriu as montanhas do Centro de Portugal autênticas reservas de biodiversidade. Uma floresta adaptada às condições edafoclimáticas locais e que vá de encontro ao anseio e segurança destas populações.